Uma ideia generalizada entre os praticantes de desporto ou simplesmente de quem não larga as rédeas da sua dieta é que a insulina nos faz engordar. Embora muito simplista, é em grande parte verdade e nas últimas décadas têm surgido numerosas dietas que tiram partido da manipulação dos níveis da hormona, como a dieta de Atkins, South Beach, Dukan, entre outras. Na verdade, todas as dietas low-carb procuram em certa medida controlar os níveis de glicemia e insulinémia. No entanto, pensar que a glicemia pós-prandial se relaciona directamente com a resposta insulínica é abusivo e errado para certos grupos alimentares comuns, nomeadamente os produtos lácteos.
O índice glicémico (IG) tornou-se um conceito comum entre os entusiastas do fitness, mesmo que muitos desconheçam do que se trata concretamente. Felizmente, não é necessário compreendê-lo para o aplicar. Os valores estão tabelados e são facilmente acessíveis. O IG mede a rapidez com que um certo alimento eleva os níveis de glicose no sangue após uma refeição. Trata-se de um valor relativo, comparado a um alimento padrão que geralmente é uma solução de 50g de glicose. Laboratorialmente, uma quantidade de alimento teste que contenha 50g de glícidos é ingerida por um indivíduo e a sua glicemia é medida por um período de 2 h. É traçada uma curva que representa as flutações na glicemia pós-prandial. Previamente, a mesma medição é feita com a dosagem de glicose, traçando-se a mesma curva. Procede-se à integração dos gráficos (área abaixo da curva para cada um deles, AUC) e é calculada qual a percentagem da AUC da glicose a que corresponde a do alimento teste, estabelecendo-se arbitrariamente o valor 100 para da glicose. Por exemplo, se o valor da integração da curva do mel for 70% do obtido para a glicose, dizemos que o mel tem um IG de 70. Se a AUC da amilopectina é 10% superior ao da glicose, então a amilopectina tem um IG de 110. A figura que se segue ilustra graficamente este conceito bastante simples mas elegante:
Se pensarmos um pouco chegamos rapidamente à conclusão de que o IG tem sérias limitações. A melancia, por exemplo, tem um IG de 70 e o esparguete de 40. Se olharmos exclusivamente para estes valores, poderíamos pensar que a melancia tem um efeito hiperglicémico superior ao esparguete. No entanto, para obter uma quantidade de hidratos de carbono equivalente a 100g de esparguete precisamos de cerca de 1 Kg de melancia, uma quantidade que excede largamente um serviço comum, tornando-se inútil do ponto de vista prático. Para ultrapassar este problema, foi criado um outro índice, a carga glicémica, que tem em conta um serviço normal do alimento. É calculado como o IG x quantidade de glícidos por dose / 100. Para o exemplo da melancia, 70x6/100 = 4.2 (a carga glicémica). No caso do esparguete, temos 40x48/100 = 19.2. Como vemos, a carga glicémica do esparguete é substancialmente superior à da melancia, ilustrando o impacto diferencial que uma dose comum destes alimentos têm na glicemia.
No que diz respeito a dietas, o IG é adoptado preferencialmente como indicador do impacto de um alimento ou refeição. Alimentos de elevado IG julgam-se provocar um pulso secretório de insulina muito acentuado, reduzindo a pique a concentração de glicose no sangue e, assim, causando fome mais rapidamente do que uma refeição de IG moderado. Em teoria, quanto menor o IG, maior e mais prolongada será a sensação de saciedade.
O IG de uma refeição não corresponde ao IG médio de todos os alimentos que a compõem, o que reduz a aplicabilidade dos valores tabelados que na maior parte das vezes se referem a alimentos individuais. É útil conhecer os factores que podem aumentar ou diminuir o IG de forma a avaliar correctamente uma refeição composta. De um modo geral, a adição de gordura e/ou proteína a uma fonte de hidratos de carbono reduz o seu IG. O teor em fibra também reduz significativamente o IG de uma refeição. Ácidos orgânicos como o vinagre também parecem atenuar o aumento da glicemia. Por outro lado, o processamento dos alimentos pelo calor ou mecanicamente (como fazer purés, por exemplo) aumenta consideravelmente o IG de um alimento em comparação com a sua forma nativa.
Embora o IG seja aplicado indiscriminadamente, não é verdade que a resposta insulínica lhe seja proporcional e em alguns casos, não muitos, difere da noite para o dia. Define-se o índice insulínico (II) como o aumento da insulina relativamente ao estado basal após ingestão de um determinado alimento. É reconhecido entre a comunidade científica que a hiperinsulinémia, especialmente quando crónica, prolongada no tempo, é um factor de risco para diabetes, doenças cardiovasculares, cancro, entre outras. Além disso, níveis elevados de insulina em jejum são muito comuns em obesos, uma situação que os coloca em risco para as referidas doenças. Para aqueles que procuram perder peso é também favorável manter níveis baixos e estáveis da hormona. A insulina não só estimula a acumulação de gordura como também inibe a lipólise, ou seja, impede que as reservas de gordura sejam canalizadas para a produção de energia. Mesmo em deficit calórico, se os níveis de insulina forem mantidos acima do ideal, o metabolismo torna-se mais inflexível, não sendo capaz de mudar o “combustível” preferencial da glicose para os ácidos gordos. Numa dieta para perda de peso é consequente que os níveis globais de glicose sejam menores como resultado do deficit calórico. Se o organismo tem dificuldade em mudar de substrato energético, a necessidade de repor os níveis de açúcar é imediata e estamos constantemente com fome. Isto é lhe familiar?
Esta questão levanta outra de grande importância. O nível pós-prandial de triglicéridos é hoje considerado um importante factor de risco metabólico. Sabendo que a trigliceridémia após uma refeição depende em grande parte do seu teor em hidratos de carbono, a insulina é necessária para facilitar a remoção desses triglicéridos do sangue, promovendo o seu armazenamento essencialmente nos adipócitos. Quando tudo funciona bem, a insulina desempenha aqui um papel benéfico removendo as gorduras do sangue. No entanto, a hiperinsuliémia crónica origina insensibilidade à sua acção, ou seja, os mecanismos que lhe estão subjacentes tornam-se menos eficazes. A prática comum, e fomentada pela corrente médica dominante, é comer várias vezes ao dia (6-8 refeições) e ingerir grandes quantidades relativas de hidratos de carbono. Como tal, o pâncreas é constantemente chamado ao serviço e a insulina mantém-se em níveis supra-basais durante quase todo o dia. Dizendo de outra forma, ainda a resposta hormonal a uma refeição não terminou e já estamos a comer outra. Pessoalmente, ponho muitas dúvidas aos benefícios de uma frequência de refeições tão elevada, especialmente quando o argumento mais utilizado para a defender foi por várias vezes provado como falso. Não existe um decréscimo da taxa metabólica e o possível efeito térmico das várias refeições não parece influir na manutenção ou perda de peso.
Pela minha experiência com o público em geral, sei que persiste uma ideia de que apenas os hidratos de carbono estimulam a produção de insulina, o que não é de todo verdade. A combinação de gorduras e açúcares, por exemplo, reduz drasticamente o IG da refeição. No entanto, a resposta da insulina não é reduzida, antes pelo contrário. Diversos aminoácidos, especialmente os BCAA, arginina, glutamina e fenilalanina, aumentam drasticamente a insulinémia após uma refeição. As proteínas animais, particularmente as lácteas e o peixe, parecem ter um efeito muito acentuado a este nível, o que se julga dever à sua composição aminoacídica particular e à velocidade de assimilação. A adição de certas proteínas a hidratos de carbono amplifica a resposta insulínica a um nível que não seria espectável pelo IG. Como exemplo mais evidente temos os batidos pós-treino. A inclusão de whey provoca um aumento da insulina superior à do glícido, geralmente glicose, em isolado. Na verdade, a whey tem por si só um efeito hiperinsulinémico muito acentuado.
Não se conhecem ao certo os mecanismos que provocam este fenómeno, mas várias explicações são possíveis para além de uma acção directa no pâncreas. Sabe-se que hiperaminoacidémica, especialmente devida aos BCAA, é comum em pré-diabéticos e que promove um estado de resistência à insulina. Não é a primeira vez que falo neste assuntoe também não pretendo complicar em demasia. Os aminoácidos exercem um efeito metabólico que vai muito além do fornecimento de energia e modelam diversas vias metabólicas. A activação de mTOR pela leucina inibe por retroacção a sinalização insulínica, tornando a célula resistente à acção da hormona. Assim sendo, após uma refeição com hidratos de carbono o organismo vai necessitar de produzir mais insulina do que seria normal de forma a equilibrar a glicemia, justificando os níveis mais elevados que são medidos após uma refeição hiperproteica. Por outro lado, a proteína também estimula a secreção de incretinas gastrointestinais, hormonas que exercem um efeito estimulatório directo da insulina. Na verdade, com maior ou menor amplitude, qualquer acto de comer estimula a libertação de insulina. Além disso, convém não esquecer que também existe um controlo nervoso regulado pelo hipotálamo que é influenciado pelo tipo de alimento ingerido.
Inferir o potencial hiperinsulinémico de um alimento através do seu IG não é de todo correcto. A incoerência entre o GI e o II foi demonstrada cabalmente num trabalho seminal levado a cabo por Susanne Holt e publicado em 1997. A investigadora comparou os dois índices em diversos alimentos, mas em refeições padronizadas para ~250 kcal (1000 Kj). Pelos factores mencionados acima, não é possível prever e comparar a secreção de insulina através da quantidade de hidratos de carbono de uma refeição. Para os objectivos deste trabalho, comparar doses iguais de glícidos seria inútil porque outros nutrientes insulinotrópicos iriam variar. Além disso, estaríamos limitados a alimentos com hidratos de carbono na sua composição. Como tal, é comum optar-se por padronizar as refeições em termos energéticos. Os resultados obtidos para os alimentos testados encontram-se na tabela seguinte (clique para ampliar):
Destes dados podemos retirar várias conclusões. A resposta da insulina a alimentos muito ricos em hidratos de carbono, como a massa, aveia e All-bran é menor do que seria expectável. No entanto, alimentos como os ovos, carne, peixe, lentilhas, queijo, bolos edoughtnuts induzem uma secreção de insulina semelhante a outros mais ricos em glícidos. Por exemplo, a carne de vaca tem o mesmo efeito que o arroz integral e o peixe é comparável ao pão de cereais. Podemos observar também que “guloseimas” como os biscoitos ou barras “Mars” são bastante insulinotrópicas, mesmo apresentando um IG moderado comparativamente ao pão branco. Mas o caso mais intrigante é o iogurte, cujoscore insulinémico quase que duplica o score glicémico. Os produtos lácteos merecem um papel de destaque nesta questão. O gráfico seguinte compara o II com o IG para os alimentos testados:
Os resultados do trabalho de Holt levaram outros investigadores a explorar o tema, com ênfase particular ao paradoxo dos lacticínios. Östman foi pioneiro e em 2001 publica um artigo no American Journal of Clinical Nutrition que mostra claramente a discrepância entre o IG e o II dos produtos lácteos, nomeadamente o leite integro e o iogurte. Estes alimentos apresentaram um índice insulinémico 3 e 6 vezes superior ao que seria espectável pelo seu índice glicémico, respectivamente. Os valores obtidos foram praticamente iguais ao alimento referência, pão branco com queijo e manteiga. Penso que seria mais informativa a comparação com pão branco simples mas as diferenças relativas continuam totalmente válidas. No mesmo estudo ficou demostrado que a insulinémia era superior após a ingestão de leite ou iogurte do que com uma solução de lactose. Tornou-se claro que outros componentes que não os glícidos presentes no leite seriam responsáveis por este efeito.
No mesmo ano, um outro investigador prova que a adição de leite a um alimento de baixo IG, esparguete no caso, aumenta significativamente a resposta insulinémica à refeição. Continuava no entanto por saber ao certo que componente teria um efeito insulinotrópico tão acentuado. Portanto, o hábito comum de adicionar leite aos cereais de pequeno almoço, sejam eles Chocapic ou aveia integral, aumenta consideravelmente a insulinémia após a refeição, independentemente do seu índice glicémico.
Quatro anos mais tarde, Hoyt completa o trabalho de Östman e publica uma pequena comunicação no British Journal of Nutrition. No trabalho deste último, foi usado leite integro, gordo, e o termo de comparação foi o pão branco com queijo e manteiga. Hoyt testa o leite gordo e magro em comparação com a glicose de forma a excluir a hipótese de a gordura influenciar o II do leite. De facto, o leite magro e gordo mostraram ter um IG e II semelhantes entre ambos, de 40 e 145 respectivamente. Repare na discrepância e na magnitude do II, 45% superior ao induzido por uma solução de glicose pura.
Destes resultados torna-se evidente que a fracção proteica é responsável pelo efeito insulinotrópico muito marcado. Como já foi dito, alguns aminoácidos estimulam fortemente a secreção de insulina. No entanto, o perfil aminoacídico da carne de vaca e do leite não difere assim tanto para que o II seja tão diferente, quase por um factor de 2, uma incoerência que ainda não está totalmente esclarecida. A hipótese mais provável reside no efeito de péptidos específicos presentes no leite. Ao contrário do que se pensa, nem todas as proteínas são totalmente digeridas em aminoácidos e podem ser assimiladas integralmente. Dois exemplos são as exorfinas no glúten e da caseína. Pensa-se que a fracção proteica do leite contenha glicomacropéptidos capazes de estimular a libertação de insulina, provavelmente através das incretinas.
Curiosamente, segundo Holt e quem a seguiu, o queijo é o único lacticínio que não apresenta um efeito insulinotrópico acentuado. Convém no entanto dizer que o queijo analisado foi o cheddar, um lacticínio bastante gordo cujo soro de leite foi descartado durante a sua fabricação. Não é certo que outros queijos, como o fresco e requeijão, tenham um comportamento semelhante ao cheddar. Como é do conhecimento geral, é no soro que se encontra a whey, a fracção que se julga exercer o efeito insulinotrópico dos produtos lácteos. Em queijos como o cheddar, onde a caseína é predominante, é provável que não se verifique uma insulinémia comparável a outros produtos lácteos (à excepção da manteiga claro).
Este efeito tem um lado positivo e negativo. Por um lado pode funcionar como secretagogue de insulina em pessoas com hiperglicémia crónica. No entanto, o consumo excessivo e frequente pode levar a uma hiperinsulinémia persistente, factor de risco para doenças cardiometabólicas, e limitar um programa de perda de peso. Hoppe demonstrou que um consumo agudo muito elevado de leite, mas não de carne, aumenta a secreção e resistência à insulina em crianças de 8 anos. Outros estudos, principalmente epidemiológicos, apontam para efeitos positivos dos lacticíneos em parâmetros metabólicos. No entanto, as variáveis secundárias e a natureza das observações colocam muitos entraves a conclusões robustas. Não considero que existam ainda provas claras e irrefutáveis que confirmem as posições antagónicas em relação ao leite. Pessoalmente, e não é segredo para ninguém, julgo o leite um alimento perfeitamente dispensável e questiono os seus benefícios para a saúde. Mas isto é tema para um outro artigo…
Em conclusão, inferir a magnitude da resposta insulínica a uma refeição através do seu índice glicémico induz em erro grosseiro para alguns grupos alimentares, nomeadamente com os lacticínios e comidas processadas, simultaneamente ricas em hidratos de carbono e gorduras. Embora estes últimos não sejam propriamente considerados saudáveis, o leite é percepcionado por muitos como um alimento benéfico à saúde e ideal para quem quer emagrecer. Não quero (já) desmistificar esta ilusão mas o efeito insulinotrópico deve ser considerado em regimes que tencionam maximizar a oxidação de gorduras como fonte energética. O baixo IG tem um significado limitado para pessoas saudáveis, sendo mais útil para diabéticos que se arriscam a hiperglicémia por insuficiência pancreática.
Elmståhl HL e Björck (2001). Eur J Clin Nutr. 55:994
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von Post-Skagegård M, et al. (2006). Eur J Clin Nutr. 60:949
como o testo esta muito culto e exigir um conhecimento mais a fundo o que eu não possuo, não entendi de se a carne de vaca derrama muita insulina ou não, alguém pode me explicar?
ResponderExcluirExcelente artigo!
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